Ele já tinha levado muito na cara nessa vida. Nasceu e foi criado em periferia, órfão de pai e mãe, educado pela avó que aos 60 anos partiu exausta. Perdido e anestesiado, irmão mais velho de três meninos, responsável, guerreiro, apaixonado e lutador.
Ela era uma mera garota da zona sul, talvez diferente de todas as outras. Tinha consigo princípios e valores pelos quais ninguém jamais já vira igual, preservava sua independência e seus objetivos como ninguém. Dona de uma natural espontaneidade que conquistava a todos por onde passava.
Juntos eles formavam um casal comum visto pelos insensíveis. Mas qualquer um que tivesse um pouco de sentimentalismo carregado dentro de si saberia que eles eram distintos de todos os outros. Transpareciam alegria através de uma simples troca de olhares e por diversas vezes os observei conversando com os olhos. Transformavam a dor da vida dura em algo estimulador, o que por muitas vezes, era força para seguirem em frente. Quando discordavam de algo, simplesmente balançavam a cabeça como um sinal, para evitar brigas e desentendimentos, afinal sempre mantiveram uma ideia fixa de que as diferenças existem e eles deveriam aprender a conviver com elas. Em idas ao cinema, ela não insistia em ver comédias românticas, nem ele para ver os filmes de ação, guerra ou luta, contanto que se sentassem lado a lado o filme já não importava mais. Tinham um prazer exaltante na companhia do outro, o que era bonito de se ver. Dispensavam palavras que os lembrassem um passado nada agradável e evitavam ainda mais as palavras que poderiam feri-los. Só prometiam aquilo que poderiam cumprir, nunca mencionavam “para sempre”, sempre prefiram o “até quando Deus permitir”.
Disseram “eu te amo” pela primeira vez no topo de uma montanha russa, depois de um ano de uma amizade bastante colorida que mais parecia com um namoro, porém ainda não assumido. Eles diziam que a sensação de poder cair daquele carrinho que estava a mais de 30 metros do chão os fizeram aflorar as emoções e confessar seus sentimentos. O pedido de namoro surgiu em frente ao mar, em uma noite estrelada cercados por velas e tochas que iluminavam o ambiente. Por mais incrível que poderia parecer, ele era romântico, sempre foi, independente de ter consigo a visão do assassinato de seu pai quando ele tinha apenas treze anos. Certas situações não foram capazes de apagar o que ele tinha de mais bonito. Parecia de pedra, mas era gelo que se derreteu em encontrar um coração tão puro. A cada noite trocavam mensagens desejando bons sonhos e a cada manhã desejando um bom dia.
Enxergavam a vida de uma maneira distinta, porém ambos a viam como um preparo para a eternidade.
Passavam horas conversando sobre o futuro, idealizando seus filhos com os olhos singelos do pai e o sorriso sincero e doce da mãe. Conversavam também sobre o passado, mas isso não durava mais que alguns minutos, talvez era a dor dele que não deixava que a conversa se prolongasse, ela respeitava.
Iam a igreja todos os domingos pela manhã e todas as sextas pela noite, liam a bíblia juntos pelo menos uma vez por semana.
Gostavam de ir nas tardes de sábado para a praia e por ali ficavam até ter uma das visões consideradas mais bonitas por ela, o sol se pondo. Ao anoitecer, deitavam sobre a areia olhando para o céu, tentavam contar as estrelas, porém nunca conseguiam e ele sempre aproveitava a deixa para dizer sobre o amor dos dois. Costumava dizer que não dava pra contar como as estrelas, era tão infinito quanto o céu e tão intenso quanto o mar e ao ouvir essas palavras ela sorria e o beijava da maneira mais intensa com que podia.
Não existia cobranças, nem coisa parecida. Existia apenas um amor pelo outro, capaz de enfrentar problemas, superar dificuldades e ultrapassar obstáculos. E como dizem que em um relacionamento os opostos se atraem e se completam, talvez o deles seria a prova disso. Ou não, na verdade eu não sei. Só sei que por todo o tempo que os observei descobri que o amor é mesmo essa coisa toda de se doar pelo outro sem esperar nada em troca.